Model Context Protocol e Agent Skills: Análise Técnica e Epistemológica das Inovações da Anthropic
Análise dissertativa expandida sobre Model Context Protocol (MCP) e Agent Skills desenvolvidos pela Anthropic. Exame técnico, epistemológico e prático com fundamentação teórica, procedimentos de instalação detalhados, análise de diferenciação técnica, aspectos de praticidade e usabilidade comparativa, capacidades potenciais de marketplace e contexto histórico-institucional. Artigo introdutório aprofundado sobre arquiteturas de integração e especialização de agentes de IA com citações em ABNT.
Resumo
O presente artigo examina duas inovações tecnológicas desenvolvidas pela Anthropic que representam avanços significativos na arquitetura de sistemas de inteligência artificial: o Model Context Protocol (MCP) e as Agent Skills. A partir de uma análise técnica e epistemológica, demonstra-se como o MCP estabelece um protocolo universal para conexão de agentes de IA a fontes de dados externas, enquanto as Skills configuram um paradigma de especialização por meio de conhecimento procedimental encapsulado. Argumenta-se que essas tecnologias, embora conceitualmente distintas, operam de forma complementar para superar limitações históricas dos Large Language Models (LLMs) relacionadas ao isolamento contextual e à especialização de domínio. O trabalho situa essas inovações no contexto histórico-institucional da evolução dos sistemas de IA generativa entre 2021 e 2025, período marcado por intensa competição tecnológica e movimentos em direção a padrões abertos. Inclui-se análise detalhada dos procedimentos de instalação, diferenciação técnica, aspectos de praticidade e capacidades potenciais de ambas as tecnologias. Conclui-se que a adoção do MCP por competidores diretos da Anthropic sinaliza uma mudança paradigmática de ecossistemas proprietários fechados para arquiteturas interoperáveis baseadas em padrões compartilhados.
Palavras-chave: Inteligência Artificial; Model Context Protocol; Agent Skills; Large Language Models; Padrões Abertos; Usabilidade.
1. Introdução
A emergência dos Large Language Models (LLMs) como interface privilegiada para interação com sistemas computacionais inaugurou, a partir de 2022, uma nova fase no desenvolvimento da inteligência artificial. O lançamento do ChatGPT pela OpenAI em novembro de 2022 representou um ponto de inflexão ao demonstrar a viabilidade de assistentes conversacionais capazes de compreender e produzir linguagem natural com grau de sofisticação anteriormente inatingível (OPENAI, 2022). Contudo, mesmo os modelos mais avançados enfrentam uma limitação estrutural fundamental: o isolamento em relação a fontes de dados dinâmicas e sistemas externos.
Este problema, identificado pela literatura como "isolamento contextual" (ANTHROPIC, 2024a), manifesta-se na incapacidade dos LLMs de acessar informações atualizadas, interagir com bases de dados corporativas ou executar ações em sistemas externos sem implementações customizadas específicas. Como observa a Anthropic:
Mesmo os modelos mais sofisticados são limitados por seu isolamento de dados - presos atrás de silos de informação e sistemas legados. Cada nova fonte de dados requer sua própria implementação customizada, tornando sistemas verdadeiramente conectados difíceis de escalar (ANTHROPIC, 2024a, documento eletrônico).
Esta fragmentação de integrações resulta em elevados custos de desenvolvimento, manutenção complexa e dificuldades de escalabilidade, problemas que se intensificam proporcionalmente ao número de fontes de dados que se deseja conectar aos agentes de IA.
É neste contexto que surgem, em 2024 e 2025, duas propostas tecnológicas da Anthropic que buscam endereçar aspectos complementares dessa problemática: o Model Context Protocol (MCP) e as Agent Skills. O primeiro estabelece um protocolo padronizado para conexão de agentes a sistemas externos; as segundas configuram um mecanismo de especialização por meio de conhecimento procedimental explícito.
1.1 Problema de Pesquisa e Objetivos
O presente trabalho parte da seguinte questão central: de que maneira o Model Context Protocol e as Agent Skills constituem respostas tecnológicas ao problema do isolamento contextual em sistemas de IA, e qual a natureza da relação entre estas duas abordagens?
Para responder a esta questão, estabelecem-se os seguintes objetivos específicos:
- Examinar os fundamentos arquiteturais e técnicos do Model Context Protocol;
- Analisar o paradigma das Agent Skills e seu mecanismo de divulgação progressiva;
- Descrever procedimentos de instalação e configuração de ambas as tecnologias;
- Estabelecer uma análise comparativa que explicite diferenças epistemológicas, operacionais e de usabilidade entre MCP e Skills;
- Examinar capacidades potenciais e limitações de distribuição via marketplace;
- Situar historicamente estas inovações no contexto da evolução institucional da Anthropic e da dinâmica competitiva do setor;
- Discutir implicações dessas tecnologias para a arquitetura futura de sistemas de IA.
1.2 Justificativa
A relevância deste estudo fundamenta-se em três dimensões. Primeiro, a dimensão técnica: compreender as arquiteturas que viabilizam a próxima geração de agentes de IA é essencial para profissionais e pesquisadores da área. Segundo, a dimensão econômica: a adoção de padrões abertos versus ecossistemas proprietários tem implicações diretas para a estrutura de mercado e distribuição de valor no setor de IA. Terceiro, a dimensão epistemológica: a forma como estruturamos a conexão entre agentes de IA e o mundo externo reflete pressupostos sobre a natureza do conhecimento artificial e suas modalidades de aquisição.
1.3 Estrutura do Trabalho
O texto organiza-se em oito seções. Após esta introdução, a seção 2 apresenta fundamentação teórica sobre a evolução dos LLMs e o problema do isolamento contextual. A seção 3 examina o Model Context Protocol em seus aspectos técnicos, conceituais e práticos. A seção 4 analisa as Agent Skills. A seção 5 desenvolve análise comparativa entre ambas as tecnologias. A seção 6 contextualiza historicamente estas inovações. A seção 7 apresenta considerações finais, seguida pelas referências na seção 8.
2. Fundamentação Teórica
2.1 Evolução dos Large Language Models: De GPT-3 aos Agentes Autônomos
A trajetória dos Large Language Models pode ser compreendida como uma progressão de sistemas puramente geradores de texto para arquiteturas cada vez mais orientadas à agência e interação com o mundo externo. Enquanto modelos como GPT-3 (BROWN et al., 2020) demonstraram capacidades notáveis de geração de linguagem, sua utilidade prática era limitada pela ausência de mecanismos para verificar informações, acessar dados atualizados ou executar ações concretas.
O paradigma de "tool use" ou "function calling", introduzido progressivamente a partir de 2023, representou um primeiro passo na direção de agentes mais capazes. Este paradigma permite que modelos de linguagem identifiquem quando uma tarefa requer acesso a ferramentas externas e estruturem chamadas apropriadas para essas ferramentas (OPENAI, 2023; SCHICK et al., 2023). Contudo, como argumenta Willison (2025), mesmo este paradigma sofre de fragmentação: cada provedor de LLM implementa suas próprias convenções para exposição de ferramentas, resultando em incompatibilidades e custos de integração elevados.
2.2 O Problema do Isolamento Contextual: Dimensões Técnicas e Econômicas
O isolamento contextual manifesta-se em múltiplas dimensões. Do ponto de vista temporal, LLMs são treinados em conjuntos de dados com data de corte específica, desconhecendo eventos posteriores. Do ponto de vista informacional, não possuem acesso a dados privados, documentos corporativos ou informações específicas de usuários. Do ponto de vista operacional, não podem executar ações em sistemas externos sem interfaces apropriadas.
A solução tradicional para este problema envolve o desenvolvimento de integrações customizadas - código específico que conecta o LLM a cada sistema particular. Esta abordagem, contudo, apresenta limitações significativas de escalabilidade. Como cada integração é única, o custo marginal de adicionar novas fontes de dados é elevado e não apresenta economias de escala. Ademais, a manutenção dessas integrações fragmentadas torna-se progressivamente complexa à medida que sistemas externos evoluem.
2.3 Arquiteturas de Integração: Da Fragmentação à Padronização
A história da computação oferece paralelos instrutivos. A proliferação de interfaces de hardware incompatíveis foi resolvida pela adoção de padrões universais como USB (COMPAQ et al., 1996). Similarmente, a interoperabilidade na web foi viabilizada pela padronização em torno de protocolos como HTTP (FIELDING; RESCHKE, 2014). Em ambos os casos, a transição de soluções proprietárias fragmentadas para padrões abertos catalisou inovação e reduziu custos de transação.
É precisamente esta lógica de padronização que fundamenta a proposta do Model Context Protocol. Como será demonstrado na seção seguinte, o MCP busca para integrações de IA o que USB representou para conectividade de hardware: um protocolo universal que elimina a necessidade de implementações ad hoc.
3. O Model Context Protocol: Análise Técnica e Epistemológica
3.1 Gênese, Fundamentos Arquiteturais e Especificação Técnica
O Model Context Protocol foi anunciado pela Anthropic em 25 de novembro de 2024 e imediatamente disponibilizado como padrão aberto (ANTHROPIC, 2024a). A documentação técnica define o MCP como "um protocolo aberto que permite que desenvolvedores construam conexões seguras e bidirecionais entre fontes de dados e ferramentas alimentadas por IA" (ANTHROPIC, 2024a, documento eletrônico).
A arquitetura do MCP baseia-se em um modelo cliente-servidor. Aplicações de IA (como Claude Desktop, IDEs ou outras ferramentas) atuam como clientes MCP, enquanto programas que expõem dados ou funcionalidades operam como servidores MCP. A comunicação entre clientes e servidores segue a especificação JSON-RPC 2.0 (SPECIFICATION, 2013), um padrão maduro e amplamente suportado na indústria de software.
A especificação do MCP define três primitivos fundamentais que estruturam a interação entre agentes e sistemas externos:
- Tools (Ferramentas): Funções executáveis que o agente pode invocar para realizar ações. Exemplos incluem operações de escrita em arquivos, chamadas a APIs REST ou consultas a bancos de dados.
- Resources (Recursos): Fontes de dados que fornecem contexto ao agente. Diferentemente de Tools, Resources são passivos - fornecem informação mas não executam ações. Exemplos incluem conteúdo de documentos, registros de banco de dados ou respostas de APIs de consulta.
- Prompts: Templates reutilizáveis que estruturam interações com modelos de linguagem. Funcionam como scaffolding para tarefas recorrentes, incorporando exemplos e instruções padronizadas.
Esta distinção conceitual entre Tools, Resources e Prompts reflete uma ontologia particular sobre os modos de interação entre agentes e ambiente externo, diferenciando claramente ação, informação e estruturação discursiva.
3.2 Mecanismos de Transporte e Implementação
O MCP suporta três mecanismos de transporte para comunicação entre clientes e servidores: stdio (standard input/output), HTTP com Server-Sent Events (SSE) e Streamable HTTP. Esta flexibilidade permite que o protocolo seja implementado tanto em contextos de processos locais quanto em arquiteturas distribuídas baseadas em rede.
A Anthropic disponibilizou Software Development Kits (SDKs) oficiais para as principais linguagens de programação, incluindo Python, TypeScript, Java, Kotlin, C#, Go, PHP, Ruby, Rust e Swift (MODELCONTEXTPROTOCOL, 2024). Algumas dessas implementações contam com colaboração de parceiros industriais significativos: o SDK C# foi desenvolvido em colaboração com a Microsoft, e o SDK PHP conta com participação da PHP Foundation. Esta estratégia de parcerias sugere um esforço deliberado de construir legitimidade e adoção ampla do protocolo.
3.3 Análise Comparativa com Abordagens Anteriores
Para compreender a contribuição específica do MCP, é instrutivo compará-lo com abordagens anteriores para integração de LLMs com sistemas externos. Antes do MCP, três padrões principais coexistiam:
Primeiro, integrações diretas customizadas, onde cada aplicação implementava sua própria lógica de conexão a sistemas específicos. Esta abordagem, embora flexível, resulta em custos proibitivos de manutenção quando multiplicada por dezenas ou centenas de integrações.
Segundo, APIs específicas de provedores, como a Function Calling API da OpenAI. Embora padronizem a interface dentro de um ecossistema específico, estas APIs não resolvem o problema de interoperabilidade entre diferentes provedores de LLMs.
Terceiro, frameworks de orquestração como LangChain. Estes frameworks abstraem diferenças entre provedores mas adicionam camada de indireção e dependência de um ecossistema particular.
O MCP distingue-se por operar em um nível mais fundamental: não é uma API específica de provedor, nem um framework de alto nível, mas um protocolo - uma especificação de como clientes e servidores devem comunicar-se, independentemente de implementações específicas. Esta característica aproxima o MCP de protocolos fundamentais da web como HTTP, que definem convenções de comunicação sem prescrever implementações particulares.
3.4 Adoção e Ecossistema: Dados de Mercado
A adoção do MCP nos primeiros meses após seu lançamento sugere receptividade significativa do mercado. Segundo dados da própria Anthropic, a comunidade construiu mais de 1.000 servidores MCP nos primeiros três meses (ANTHROPIC, 2025a). Mais significativamente, em março de 2025, a OpenAI - competidor direto da Anthropic - anunciou suporte oficial ao MCP, integrando o protocolo ao aplicativo desktop do ChatGPT (OPENAI, 2025).
Esta adoção por um competidor é particularmente notável. Historicamente, empresas de tecnologia tendem a promover seus próprios padrões proprietários para criar lock-in e capturar valor. A decisão da OpenAI de adotar o MCP da Anthropic sugere que as vantagens da padronização - acesso a um ecossistema compartilhado de integrações, redução de custos de desenvolvimento, pressão de mercado por interoperabilidade - superam os benefícios de manter um padrão proprietário isolado.
Além da OpenAI, o Google anunciou suporte ao MCP no Vertex AI em abril de 2025 (GOOGLE CLOUD, 2025). Esta convergência dos três principais provedores de LLMs em torno de um protocolo comum representa um desenvolvimento sem precedentes recentes na indústria de IA.
3.5 Procedimentos de Instalação e Configuração de Servidores MCP
A implementação de servidores MCP envolve três modalidades principais de instalação, cada uma adequada a diferentes contextos de uso e níveis de expertise técnica.
3.5.1 Instalação de Servidores Pré-Construídos via Claude Desktop
A modalidade mais acessível consiste na instalação de servidores pré-construídos através da aplicação Claude Desktop. Este procedimento destina-se a usuários finais sem necessidade de conhecimento de programação. Os passos envolvem:
- Acesso ao diretório de configuração do Claude Desktop (localização varia conforme sistema operacional);
- Edição do arquivo de configuração JSON para especificar quais servidores MCP devem ser inicializados;
- Reinicialização da aplicação para aplicar as configurações.
A Anthropic disponibiliza documentação detalhada em modelcontextprotocol.io com exemplos específicos para sistemas Windows, macOS e Linux (ANTHROPIC, 2024a). Todos os planos do claude.ai suportam conexão de servidores MCP à aplicação desktop (ANTHROPIC, 2024a).
3.5.2 Desenvolvimento de Servidores Customizados
Para casos de uso que requerem integração com sistemas corporativos específicos ou fontes de dados proprietárias, desenvolvedores podem implementar servidores MCP customizados. Este procedimento requer:
- Seleção de SDK: Escolha da linguagem de programação e instalação do SDK correspondente via gerenciadores de pacote (pip para Python, npm para TypeScript, etc.);
- Implementação do servidor: Codificação das tools, resources e prompts seguindo a especificação JSON-RPC 2.0 e utilizando as abstrações fornecidas pelo SDK;
- Configuração de transporte: Definição de como o servidor se comunicará (stdio, HTTP/SSE ou Streamable HTTP);
- Deploy: Instalação do servidor no ambiente apropriado (local ou remoto) e configuração do cliente MCP para conectar-se a ele.
A complexidade desta modalidade é significativamente superior à instalação de servidores pré-construídos, requerendo proficiência em programação e compreensão de conceitos de desenvolvimento de software distribuído.
3.5.3 Teste e Validação
A Anthropic fornece servidor de referência denominado "Everything" que implementa exemplos de todos os primitivos (tools, resources, prompts) para fins de teste e aprendizado (MODELCONTEXTPROTOCOL, 2024). Este servidor permite que desenvolvedores validem configurações de cliente antes de implementar servidores customizados.
Para clientes corporativos (Claude for Work), existe suporte para teste de servidores localmente com sistemas empresariais, com roadmap de suporte futuro para deployments remotos de produção em escala organizacional (ANTHROPIC, 2024a).
3.6 Ecossistema de Servidores Disponíveis
O ecossistema MCP pode ser categorizado em três segmentos: servidores de referência oficiais, integrações de terceiros certificadas e implementações comunitárias.
3.6.1 Servidores de Referência
A Anthropic mantém repositório oficial com sete servidores de referência (MODELCONTEXTPROTOCOL, 2024):
- Filesystem: Operações seguras de leitura e escrita em arquivos com controles de acesso;
- Git: Leitura e manipulação de repositórios Git;
- Fetch: Recuperação e conversão de conteúdo web;
- Memory: Memória persistente baseada em grafos de conhecimento;
- Sequential Thinking: Suporte a resolução de problemas através de sequências de pensamento;
- Time: Conversões de tempo e fuso horário;
- Everything: Servidor de teste com implementação de todos os primitivos.
Estes servidores servem simultaneamente como ferramentas funcionais e como exemplos de implementação para desenvolvedores.
3.6.2 Integrações Corporativas de Terceiros
O repositório oficial documenta integrações desenvolvidas por parceiros corporativos significativos, incluindo AWS, Microsoft Azure, Atlassian, Apollo GraphQL, Auth0 e mais de 200 plataformas adicionais abrangendo finanças, criptomoedas, bancos de dados, produtividade e ferramentas de desenvolvimento (MODELCONTEXTPROTOCOL, 2024). Esta diversidade demonstra tração significativa do protocolo em contextos empresariais.
Adotantes iniciais notáveis incluem Block (infraestrutura de pagamentos) e Apollo (GraphQL), que integraram o MCP para aprimorar capacidades de geração de código e recuperação de contexto em tarefas de programação (ANTHROPIC, 2024a).
3.6.3 Servidores Arquivados e Evolução do Ecossistema
Doze servidores legados foram transferidos para repositório servers-archived, incluindo implementações anteriores para GitHub, GitLab, Google Drive, PostgreSQL e Slack (MODELCONTEXTPROTOCOL, 2024). Este processo de arquivamento sugere maturação do ecossistema, onde implementações de terceiros superiores substituem versões de referência iniciais.
4. Agent Skills: Paradigma de Especialização por Conhecimento Procedimental
4.1 Conceituação e Princípios de Design
As Agent Skills, anunciadas pela Anthropic em 16 de outubro de 2025, representam uma abordagem conceitualmente distinta para extensão de capacidades de agentes de IA (ANTHROPIC, 2025b). Enquanto o MCP foca em conectividade - dar ao agente acesso a sistemas externos -, as Skills focam em conhecimento procedimental - ensinar ao agente como realizar tarefas específicas de forma padronizada e eficiente.
Tecnicamente, uma Skill consiste em uma pasta organizada contendo minimamente um arquivo SKILL.md em formato Markdown com frontmatter YAML. Este arquivo encapsula instruções, exemplos e, opcionalmente, código executável relacionado a uma tarefa ou domínio específico. A documentação oficial define Skills como "pacotes de expertise personalizáveis que melhoram as capacidades do Claude" (ANTHROPIC, 2025b, documento eletrônico).
A estrutura minimalista - essencialmente Markdown com metadados - é deliberada. Ao contrário do MCP, que requer conhecimento de programação e implementação de servidores, Skills podem ser criadas por usuários sem expertise técnica profunda. Esta acessibilidade representa uma tentativa de democratização do desenvolvimento de capacidades para agentes de IA.
4.2 O Paradigma de Divulgação Progressiva: Eficiência Computacional
Um aspecto tecnicamente sofisticado das Skills é seu sistema de divulgação progressiva (progressive disclosure), operando em três níveis hierárquicos:
Nível 1 - Metadados: Nome e descrição da Skill são pré-carregados no system prompt na inicialização do agente. Este nível consome apenas dezenas de tokens e permite ao modelo determinar rapidamente quais Skills são potencialmente relevantes para uma solicitação do usuário.
Nível 2 - Conteúdo Primário: O corpo do arquivo SKILL.md é carregado apenas quando o modelo identifica a Skill como relevante para a tarefa atual. Este carregamento condicional evita saturação da janela de contexto.
Nível 3 - Recursos Modulares: Arquivos adicionais referenciados no SKILL.md são carregados sob demanda apenas quando seções específicas são necessárias.
Esta arquitetura de divulgação progressiva endereça uma limitação fundamental dos LLMs: o tamanho finito da janela de contexto. Mesmo modelos com janelas de 200 mil tokens (ANTHROPIC, 2023) enfrentam trade-offs entre incluir expertise específica e manter espaço para a tarefa atual. Ao carregar informação apenas quando relevante, as Skills otimizam o uso deste recurso escasso.
4.3 Invocação Automática e Semântica de Descoberta
Diferentemente de comandos explícitos invocados pelo usuário, Skills são ativadas automaticamente pelo próprio modelo. O processo de invocação baseia-se em correspondência semântica entre a solicitação do usuário e as descrições das Skills disponíveis. Esta característica tem implicações importantes:
Primeiro, transfere a responsabilidade de descoberta do conhecimento relevante do usuário para o sistema. O usuário não precisa conhecer quais Skills existem ou quando invocá-las - o modelo faz esta determinação.
Segundo, torna crítica a qualidade das descrições. Uma descrição imprecisa ou genérica resultará em falhas de ativação (a Skill não é carregada quando deveria) ou ativações espúrias (a Skill é carregada desnecessariamente). A documentação enfatiza explicitamente a importância de incluir keywords que usuários mencionariam: "Escreva descrições específicas com palavras-chave que usuários realmente usariam" (ANTHROPIC, 2025c, documento eletrônico).
4.4 Modalidades de Armazenamento e Compartilhamento
A arquitetura de Skills suporta três modalidades de armazenamento, cada uma com implicações distintas para governança e compartilhamento do conhecimento:
Personal Skills (~/.claude/skills/): Armazenadas no diretório home do usuário, são privadas e aplicam-se a todos os projetos daquele usuário. Apropriadas para workflows individuais e experimentação.
Project Skills (.claude/skills/): Armazenadas no diretório do projeto e commitadas em sistemas de controle de versão como Git. Esta modalidade viabiliza expertise compartilhada: todos os desenvolvedores que clonam o repositório obtêm automaticamente as Skills do projeto. Isto transforma conhecimento procedimental tácito em artefato explícito e versionável.
Plugin Skills: Distribuídas como parte de plugins instaláveis. Esta modalidade permite que terceiros publiquem Skills que usuários podem instalar via marketplace.
A existência dessas três modalidades reflete diferentes regimes de governança do conhecimento: individual, organizacional e público/comunitário.
4.5 Código Executável e Operações Determinísticas
Embora Skills sejam primariamente textuais (instruções em Markdown), podem incluir código executável em linguagens como Python ou Shell script. Esta capacidade é significativa pois permite que tarefas determinísticas sejam executadas via código ao invés de geração de tokens.
Por exemplo, ordenar uma lista de mil itens via geração de texto consumiria milhares de tokens e seria propenso a erros. Um script Python de três linhas executa a tarefa instantaneamente com precisão perfeita. Como observam os engenheiros da Anthropic: "Operações determinísticas via código são muito mais eficientes que geração de tokens" (ANTHROPIC, 2025d, documento eletrônico).
Esta característica posiciona Skills em um espectro interessante entre conhecimento declarativo (instruções textuais) e conhecimento procedural executável (código).
4.6 Procedimentos de Instalação de Skills
A instalação de Skills apresenta especificidades que variam conforme a superfície de deploy (Claude.ai, Claude API ou Claude Code) e a modalidade de distribuição.
4.6.1 Instalação Manual em Claude Code
Para Skills customizadas em Claude Code, o procedimento é baseado em sistema de arquivos:
- Personal Skills: Criar diretório
~/.claude/skills/nome-da-skill/e adicionar arquivoSKILL.mdcom frontmatter YAML contendo name, description e corpo com instruções; - Project Skills: Criar diretório
.claude/skills/nome-da-skill/na raiz do projeto e seguir mesma estrutura. Skills de projeto devem ser commitadas ao controle de versão para compartilhamento com equipe.
Esta modalidade não requer processo de instalação tradicional - a mera presença do diretório com estrutura apropriada torna a Skill disponível.
4.6.2 Upload em Claude.ai e Claude API
Para as superfícies claude.ai e Claude API, Skills são instaladas via upload de arquivos. Contudo, existe fragmentação significativa:
Em claude.ai, Skills devem ser carregadas individualmente por cada usuário. A documentação é explícita: "Cada membro da equipe deve fazer upload separadamente" (ANTHROPIC, 2025c, documento eletrônico). Não há sincronização entre membros de uma organização.
Na Claude API, Skills carregadas no workspace são compartilhadas entre todos os membros, proporcionando melhor experiência para equipes (ANTHROPIC, 2025c).
Criticamente, "Skills customizadas não sincronizam entre superfícies" - uma Skill carregada em claude.ai deve ser separadamente carregada na API (ANTHROPIC, 2025c, documento eletrônico). Esta fragmentação representa limitação significativa de usabilidade.
4.6.3 Skills Pré-Construídas
A Anthropic disponibiliza Skills pré-construídas para criação de documentos em formatos PowerPoint (pptx), Excel (xlsx), Word (docx) e PDF (ANTHROPIC, 2025b). Estas Skills estão disponíveis tanto em claude.ai quanto na API sem necessidade de instalação manual.
4.6.4 Dependências e Restrições de Execução
Skills que incluem código executável dependem da feature "Code Execution Tool" em estado beta (ANTHROPIC, 2025f). As restrições de execução variam por superfície:
- Claude API: Sem acesso à rede; apenas pacotes pré-instalados disponíveis;
- Claude.ai: Acesso à rede variável baseado em configurações de usuário/administrador;
- Claude Code: Acesso completo à rede disponível.
Estas restrições têm implicações diretas para quais tipos de Skills podem ser implementadas em cada contexto.
4.7 Capacidades Potenciais e Limitações de Distribuição
4.7.1 Ausência de Marketplace Centralizado
Diferentemente de ecossistemas maduros de extensibilidade (como Chrome Web Store ou VS Code Marketplace), o ecossistema de Skills não possui, no momento desta análise, marketplace centralizado para descoberta e instalação de Skills desenvolvidas por terceiros. A documentação referencia apenas um "Skills cookbook" com exemplos, não uma plataforma de distribuição (ANTHROPIC, 2025c).
Esta ausência limita significativamente a descoberta de Skills criadas pela comunidade e dificulta a formação de efeitos de rede que caracterizam ecossistemas de plugins bem-sucedidos.
4.7.2 Potencialidades Técnicas
Apesar das limitações de distribuição, a arquitetura de Skills habilita capacidades técnicas significativas:
Especialização de Domínio: Skills permitem encapsular conhecimento profundo sobre domínios específicos - frameworks de programação, metodologias analíticas, padrões corporativos - de forma que seja reutilizável e versionável.
Padronização Organizacional: Empresas podem criar Skills que codificam processos e padrões internos, garantindo consistência em como agentes de IA executam tarefas corporativas.
Composabilidade: Múltiplas Skills podem ser instaladas simultaneamente, permitindo que agentes combinem expertise de diferentes domínios conforme necessário para tarefas complexas.
Eficiência Computacional: A divulgação progressiva permite que dezenas de Skills sejam disponibilizadas com overhead mínimo de tokens, tornando viável bibliotecas extensas de expertise.
4.7.3 Limitações Estruturais
Três limitações estruturais merecem atenção:
Primeiro, a fragmentação entre superfícies impede experiência unificada. Usuários que trabalham tanto em claude.ai quanto em Claude Code devem manter Skills duplicadas, atualizadas manualmente.
Segundo, a dependência de ativação semântica automática carece de mecanismos de fallback. Se a descrição for inadequada ou a consulta do usuário usar terminologia inesperada, Skills relevantes podem não ser ativadas sem que o usuário receba feedback sobre a falha.
Terceiro, as restrições de execução na API (sem acesso à rede) limitam severamente quais tipos de Skills podem ser implementadas em contextos corporativos, onde a API é tipicamente preferida para uso em produção.
5. Análise Crítica: MCP e Skills como Instrumentos Complementares
5.1 Diferenças Epistemológicas: Conexão versus Conhecimento
Embora tanto o MCP quanto as Skills estendam capacidades de agentes de IA, operam em dimensões epistemológicas fundamentalmente distintas. O MCP endereça o problema de acesso - como conectar o agente a fontes de dados e ferramentas externas. As Skills endereçam o problema de competência - como equipar o agente com conhecimento sobre como realizar tarefas específicas.
Esta distinção pode ser formulada nos termos da distinção filosófica entre "saber que" (knowledge that, conhecimento proposicional) e "saber como" (knowledge how, conhecimento procedimental) (RYLE, 1949). O MCP fornece ao agente acesso a fatos do mundo - o estado de um banco de dados, o conteúdo de um documento, o resultado de uma chamada de API. As Skills fornecem competência procedimental - como analisar dados seguindo metodologia específica, como formatar documentos segundo padrões corporativos, como decompor problemas complexos em etapas gerenciáveis.
Esta complementaridade é reconhecida explicitamente na documentação: "MCP servers são o 'sistema nervoso' da IA conectando-a ao mundo externo, enquanto Skills agem como o 'manual interno' da IA" (ANTHROPIC, 2025e, documento eletrônico).
5.2 Sinergia Operacional: Um Exemplo Analítico
Para concretizar a complementaridade entre MCP e Skills, considere o seguinte cenário analítico:
Uma organização possui um banco de dados PostgreSQL com dados de vendas e deseja que o agente de IA produza análises seguindo metodologia estatística específica da empresa. Neste cenário:
- Um servidor MCP PostgreSQL fornece a conectividade - permite que o agente execute consultas SQL e recupere dados.
- Uma Skill de análise estatística fornece o conhecimento procedimental - instrui o agente sobre quais métricas calcular, como interpretar resultados, quais visualizações gerar, seguindo padrões da organização.
- Quando o usuário solicita "Analise as vendas do último trimestre", o agente:
- Identifica a relevância da Skill de análise estatística (ativação semântica)
- Carrega as instruções procedurais da Skill
- Utiliza o servidor MCP PostgreSQL para acessar os dados
- Aplica a metodologia especificada na Skill aos dados obtidos via MCP
- Produz análise conforme padrões organizacionais
Este exemplo ilustra como MCP e Skills operam em camadas complementares: o primeiro habilita acesso externo, o segundo estrutura competência interna.
5.3 Análise Comparativa: Dimensões Técnicas e Econômicas
Uma análise comparativa sistemática revela diferenças significativas em múltiplas dimensões:
Complexidade de Implementação: O MCP requer conhecimento de programação, compreensão da especificação JSON-RPC, implementação de servidor. Skills requerem primariamente habilidade de escrita técnica em Markdown. Esta diferença de complexidade tem implicações para quem pode criar cada tipo de extensão.
Consumo de Tokens: Um servidor MCP expõe tipicamente dezenas ou centenas de tools e resources. Mesmo com otimizações, isto consome milhares de tokens na descrição de capacidades. Skills, via divulgação progressiva, consomem apenas dezenas de tokens até que sejam de fato invocadas. Esta diferença é economicamente significativa dado que custos de API de LLMs escalam com tokens consumidos.
Natureza do Conhecimento: MCP incorpora conhecimento sobre interfaces - como comunicar-se com sistemas externos. Skills incorporam conhecimento sobre procedimentos - como realizar tarefas complexas. Esta distinção reflete diferentes tipos de expertise.
Governança e Compartilhamento: Servidores MCP são típicamente deployados como serviços, requerendo infraestrutura e governança de software tradicional. Skills, sendo arquivos texto, podem ser compartilhadas via Git, permitindo governança leve e versionamento trivial.
5.4 Diferenciação Técnica Detalhada
Para além das diferenças epistemológicas, existem diferenciações técnicas operacionais que impactam escolhas de arquitetura:
5.4.1 Modelo de Execução
MCP: Execução ocorre em processo separado (o servidor MCP). O agente envia requisições JSON-RPC e recebe respostas. A lógica de execução é completamente externa ao modelo de linguagem.
Skills: Instruções são injetadas no contexto do modelo, que as interpreta e executa tarefas via geração de tokens. Código executável em Skills roda via Code Execution Tool, mas sob orquestração do modelo.
Esta diferença implica que MCP pode executar operações arbitrariamente complexas em sistemas externos sem consumir tokens, enquanto Skills consomem tokens proporcionalmente à complexidade das instruções processadas.
5.4.2 Escopo de Ação
MCP: Primariamente orientado a I/O - leitura de dados externos e execução de operações em sistemas. Não modifica o raciocínio interno do agente.
Skills: Primariamente orientado a cognição - modifica como o agente pensa sobre problemas, que metodologias aplica, que padrões segue. Pode incluir código para I/O, mas este não é seu propósito central.
5.4.3 Persistência e Estado
MCP: Servidores podem manter estado persistente entre requisições. O servidor MCP "Memory", por exemplo, mantém grafo de conhecimento que persiste entre conversas (MODELCONTEXTPROTOCOL, 2024).
Skills: São stateless por construção. Cada ativação carrega as instruções da Skill no contexto, mas não há persistência entre conversas além do que está explicitamente nos arquivos da Skill.
5.5 Análise de Praticidade e Usabilidade Comparativa
5.5.1 Facilidade de Criação
Skills apresentam vantagem significativa em facilidade de criação para usuários não-técnicos. Criar uma Skill requer:
- Escrita de arquivo Markdown com frontmatter YAML
- Articulação clara de instruções em linguagem natural
- Opcionalmente, scripts simples para operações determinísticas
Esta abordagem está ao alcance de analistas de negócios, especialistas de domínio e outros profissionais sem background em desenvolvimento de software.
MCP, em contraste, requer competências de desenvolvimento de software profissional:
- Proficiência em linguagem de programação suportada
- Compreensão de arquiteturas cliente-servidor
- Familiaridade com JSON-RPC e conceitos de RPC
- Capacidade de implementar tratamento de erros, logging e segurança
A barreira de entrada é substancialmente maior, limitando criação de servidores MCP a desenvolvedores experientes.
5.5.2 Tempo de Implementação
Uma Skill simples pode ser criada em minutos - essencialmente o tempo necessário para articular instruções claras em Markdown. Skills complexas com código executável podem requerer horas.
Um servidor MCP básico requer horas de desenvolvimento mesmo para desenvolvedores experientes. Servidores MCP complexos integrando sistemas legados corporativos podem requerer dias ou semanas de desenvolvimento e teste.
5.5.3 Descoberta e Ativação
MCP: Tools expostas por servidores MCP são apresentadas explicitamente ao modelo. Não há ambiguidade sobre quais capacidades estão disponíveis. A ativação é determinística - se a tool existe no servidor e o modelo a invoca corretamente, ela executa.
Skills: Ativação depende de correspondência semântica entre descrição da Skill e solicitação do usuário. Este processo, embora conveniente (usuário não precisa saber quais Skills existem), introduz incerteza. Uma Skill perfeitamente adequada pode não ser ativada se sua descrição usar terminologia diferente da consulta do usuário.
Esta diferença tem implicações práticas: MCP oferece previsibilidade; Skills oferecem conveniência ao custo de ocasional não-determinismo.
5.5.4 Manutenção e Atualização
Skills armazenadas em controle de versão (modalidade Project Skills) beneficiam-se de toda a infraestrutura de Git: histórico de mudanças, code review, rollback trivial. Atualizar uma Skill compartilhada com equipe é tão simples quanto commit e push.
MCP servers requerem processos de deploy tradicionais de software. Atualizações podem requerer reinicialização de serviços, testes de regressão, e coordenação com clientes para atualização de configurações.
5.5.5 Debugging e Troubleshooting
MCP: Debugging segue práticas padrões de desenvolvimento de software - logs, debuggers, traces de execução. Problemas são tipicamente claros: exceções em código, respostas malformadas, falhas de conexão.
Skills: Debugging é mais opaco. Se uma Skill não está produzindo resultados esperados, a causa pode ser instruções ambíguas, falta de ativação, ou interpretação incorreta pelo modelo. Ferramentas de debugging são limitadas - essencialmente inspeção manual de se a Skill foi ativada e revisão de suas instruções.
5.6 Limitações e Desafios
Ambas as tecnologias apresentam limitações que merecem consideração crítica.
Para o MCP, a principal limitação é a necessidade de implementação de servidor para cada fonte de dados. Embora o protocolo seja padronizado, criar um servidor MCP para um sistema legado específico ainda requer esforço de desenvolvimento não trivial. Ademais, questões de segurança - como garantir que agentes de IA não executem ações destrutivas em sistemas corporativos - permanecem em aberto e requerem implementação cuidadosa de controles de acesso e autorização.
Para Skills, a dependência de ativação semântica automática é simultaneamente uma força e uma fraqueza. Se a descrição da Skill for inadequada, ou se a solicitação do usuário usar terminologia não antecipada, a Skill relevante pode não ser ativada. Este problema de "descoberta por correspondência semântica" carece de garantias formais de robustez.
Adicionalmente, Skills dependem da feature beta "Code Execution Tool" da Anthropic (ANTHROPIC, 2025f), introduzindo dependência de infraestrutura específica do provedor. A fragmentação entre superfícies (claude.ai, API, Code) dificulta manutenção consistente de Skills em organizações que usam múltiplas interfaces.
6. Contexto Histórico-Institucional da Inovação
6.1 Trajetória Institucional da Anthropic (2021-2025)
Para compreender adequadamente o MCP e as Skills, é necessário situá-los no contexto institucional de sua produção. A Anthropic foi fundada em janeiro de 2021 por Dario e Daniela Amodei juntamente com outros sete pesquisadores que deixaram a OpenAI (ANTHROPIC, 2021). A narrativa pública da fundação enfatiza preocupações com segurança e alinhamento de sistemas de IA, posicionando a empresa como focada em "AI Safety" (AMODEI; AMODEI, 2023).
A trajetória financeira da empresa é marcada por rodadas sucessivas de investimento de magnitude crescente. Em 2023, a Google adquiriu participação de 10% por aproximadamente US$ 300 milhões (METZ; GRIFFITH, 2023). Também em 2023, a Amazon comprometeu-se com investimento de até US$ 4 bilhões (AMAZON, 2023), completado em março de 2024 (AMAZON, 2024). Em 2025, a empresa levantou rodada Series F de US$ 13 bilhões, alcançando valuation de US$ 183 bilhões (ANTHROPIC, 2025g).
Estes números posicionam a Anthropic como um dos players mais capitalizados do setor de IA, competindo diretamente com a OpenAI e unidades de IA da Google e Microsoft. Esta posição de mercado é relevante para compreender a estratégia de padrões abertos subjacente ao MCP.
6.2 Dinâmica Competitiva e a Decisão por Padrões Abertos
A decisão de open-source do MCP contrasta com padrões históricos da indústria de tecnologia, onde empresas tendem a manter protocolos proprietários para criar lock-in. Três hipóteses podem ser aventadas para explicar esta decisão:
Primeiro, a hipótese da legitimidade técnica: ao abrir o protocolo, a Anthropic convida escrutínio da comunidade técnica, potencialmente resultando em adoções que legitimam o padrão. De fato, a adoção subsequente pela OpenAI e Google valida esta estratégia.
Segundo, a hipótese dos efeitos de rede: o valor do MCP cresce com o número de servidores disponíveis. Ao tornar o protocolo aberto, a Anthropic mobiliza a comunidade para construir integrações, criando ecossistema que beneficia todos os participantes - incluindo a própria Anthropic.
Terceiro, a hipótese do posicionamento competitivo: em um mercado dominado pela OpenAI (líder de mercado) e Google (incumbent com recursos massivos), a Anthropic pode buscar diferenciação via abertura e interoperabilidade, posicionando-se como a alternativa "aberta" em um mercado de ofertas fechadas.
Estas hipóteses não são mutuamente exclusivas e podem operar simultaneamente. Investigação empírica adicional seria necessária para determinar os pesos relativos de cada mecanismo.
6.3 A Adoção do MCP pela OpenAI: Análise de um Evento Crítico
O anúncio da OpenAI em março de 2025 de que adotaria o MCP desenvolvido pela Anthropic (OPENAI, 2025) representa um evento histórico significativo. Empresas de tecnologia raramente adotam padrões desenvolvidos por competidores diretos, especialmente em áreas consideradas estratégicas.
Esta decisão pode ser interpretada em termos de teoria dos jogos de padronização. Quando múltiplos padrões incompatíveis coexistem, agentes enfrentam um jogo de coordenação com múltiplos equilíbrios (FARRELL; SALONER, 1985). A convergência em um padrão compartilhado pode ser Pareto-superior à fragmentação, mesmo que o padrão escolhido não seja aquele preferido por todos os atores.
No caso do MCP, a OpenAI pode ter calculado que os benefícios de acesso a um ecossistema compartilhado de servidores MCP superavam os custos de adotar o padrão de um competidor. Alternativamente, pressão de desenvolvedores e clientes corporativos por interoperabilidade pode ter tornado insustentável a manutenção de um padrão proprietário isolado.
6.4 Implicações Estruturais para a Indústria de IA
A convergência em torno do MCP sinaliza uma possível transição de um regime de competição baseada em ecossistemas fechados para um regime baseado em plataformas interoperáveis. Esta transição, se confirmada, teria implicações profundas.
Primeiro, reduz barreiras de entrada para novos competidores. Em um mundo de padrões abertos, startups podem construir agentes de IA que acessam o mesmo ecossistema de integrações que incumbents.
Segundo, desloca a competição de "quem tem mais integrações" para "quem tem melhor modelo". Se todos os provedores podem acessar as mesmas ferramentas via MCP, a diferenciação ocorre primariamente na qualidade do modelo de linguagem subjacente.
Terceiro, facilita portabilidade para clientes corporativos. Organizações que investem em construir servidores MCP não ficam presas a um provedor específico de LLM.
Estes efeitos estruturais sugerem que a decisão de open-source do MCP pode ter consequências duradouras para a organização industrial do setor de IA.
7. Considerações Finais
Este artigo examinou duas inovações tecnológicas - o Model Context Protocol e as Agent Skills - situando-as no contexto mais amplo da evolução dos sistemas de inteligência artificial e da dinâmica institucional do setor. A análise desenvolvida permite algumas conclusões substantivas.
Primeiro, demonstrou-se que MCP e Skills endereçam dimensões complementares do problema de capacitação de agentes de IA. O MCP resolve o problema de conectividade e acesso externo; as Skills resolvem o problema de competência procedimental e especialização. Esta complementaridade não é meramente técnica mas epistemológica, refletindo diferentes modalidades de conhecimento que agentes requerem.
Segundo, a análise de praticidade revelou trade-offs significativos. Skills oferecem acessibilidade superior - usuários não-técnicos podem criá-las - mas dependem de ativação semântica sem garantias de robustez. MCP requer expertise técnica para implementação mas oferece previsibilidade e controle determinístico. Estas diferenças implicam que a escolha entre MCP e Skills deve considerar não apenas capacidades técnicas mas também perfis de usuários e contextos organizacionais.
Terceiro, identificou-se limitação crítica no ecossistema de Skills: a ausência de marketplace centralizado e fragmentação entre superfícies (claude.ai, API, Code) dificulta descoberta, compartilhamento e manutenção consistente. O ecossistema MCP, em contraste, beneficia-se de repositório centralizado e convergência de múltiplos provedores, sugerindo maior maturidade.
Quarto, argumentou-se que a decisão de open-source do MCP, validada pela subsequente adoção por competidores, representa uma mudança paradigmática potencial na indústria de IA. A transição de integrações fragmentadas proprietárias para protocolos abertos padronizados pode reconfigurar barreiras de entrada, dinâmicas competitivas e distribuição de valor no setor.
Quinto, a análise histórico-institucional revelou que estas inovações emergem em um contexto de intensa competição entre poucos players altamente capitalizados (Anthropic, OpenAI, Google). As estratégias tecnológicas - abertura versus fechamento, padrões versus silos - devem ser compreendidas também como movimentos estratégicos neste campo competitivo.
7.1 Contribuições e Direções Futuras
Este trabalho contribui para a literatura ao oferecer análise sistemática e crítica de tecnologias emergentes ainda pouco examinadas academicamente. A maioria das discussões sobre MCP e Skills ocorre em fóruns técnicos e documentação corporativa. A presente análise oferece enquadramento teórico e perspectiva crítica frequentemente ausentes nesses contextos.
A inclusão de análise detalhada de procedimentos de instalação, diferenciação técnica e aspectos de praticidade fornece orientação prática para profissionais que avaliam adoção dessas tecnologias em contextos organizacionais.
Pesquisas futuras poderiam investigar empiricamente padrões de adoção do MCP e Skills, mensurando taxas de crescimento de servidores e Skills, caracterizando perfis de adotantes e identificando barreiras à adoção. Estudos de caso de implementações organizacionais forneceriam insights sobre desafios práticos e padrões de uso. Análises econômicas poderiam examinar impactos na estrutura de custos de desenvolvimento e manutenção de sistemas de IA.
Do ponto de vista normativo, discussões sobre governança e regulação deveriam considerar as implicações de agentes de IA cada vez mais conectados e capazes. Questões de accountability - quem é responsável quando um agente com acesso via MCP executa ação danosa? - requerem enquadramentos jurídicos ainda não estabelecidos.
Investigações futuras sobre usabilidade poderiam examinar experimentalmente a eficácia da ativação semântica de Skills, identificando padrões de falha e propondo mecanismos de feedback que melhorem robustez. Similarmente, pesquisas sobre segurança de servidores MCP em ambientes corporativos forneceriam orientação crítica para adoção empresarial.
7.2 Reflexão Final
O desenvolvimento do MCP e das Skills exemplifica uma característica mais geral da evolução tecnológica: problemas fundamentais frequentemente admitem soluções em múltiplas dimensões que, embora conceitualmente distintas, operam sinergicamente. A conexão ao mundo externo (MCP) e a competência procedimental (Skills) são ambas necessárias, e nenhuma é suficiente isoladamente, para agentes de IA verdadeiramente capazes.
A análise de praticidade sugere democratização em curso: enquanto MCP permanece domínio de desenvolvedores especializados, Skills tornam extensibilidade de agentes acessível a públicos mais amplos. Esta acessibilidade pode catalisar inovação distribuída, onde especialistas de domínio sem expertise em programação contribuem conhecimento procedimental valioso.
Mais amplamente, a trajetória aqui analisada sugere que estamos testemunhando não apenas avanços incrementais em capacidades de modelos, mas transformações arquiteturais mais profundas na forma como sistemas de IA são construídos e compostos. A transição de monólitos isolados para arquiteturas modulares e interoperáveis pode ser tão significativa quanto os avanços nos próprios modelos.
Se a história da computação oferece lições, é que padrões abertos e interoperabilidade tendem, no longo prazo, a prevalecer sobre jardins murados, não por razões ideológicas mas por razões econômicas: os benefícios da inovação descentralizada e dos efeitos de rede superam os benefícios do controle proprietário. O MCP, e a convergência de competidores em torno dele, pode estar sinalizando que a indústria de IA está começando a aprender estas lições. O desenvolvimento futuro de marketplaces para Skills determinará se mecanismos similares de abertura e compartilhamento emergirão também nesse domínio.
8. Referências
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