Resumo
Este estudo apresenta uma análise abrangente sobre direitos de propriedade intelectual na colaboração humano-IA, examinando por que o conteúdo gerado através dessa interação deve ser primariamente atribuído ao usuário humano, não às corporações que fornecem as plataformas. Fundamentado em jurisprudência internacional, pesquisas acadêmicas e marcos regulatórios emergentes, o artigo estabelece as bases conceituais e legais para resistir à apropriação corporativa de conteúdo intelectual gerado colaborativamente na era da IA.
Palavras-chave: propriedade intelectual, colaboração humano-IA, direitos autorais, criação colaborativa, apropriação corporativa, direitos digitais, ética em IA
1. Introdução: O Dilema da Apropriação Corporativa na Geração de Conteúdo por IA
O surgimento da inteligência artificial transformou fundamentalmente os paradigmas de criação de conhecimento nas sociedades globais, introduzindo estruturas colaborativas sem precedentes entre humanos e máquinas. Dentro desse ecossistema em evolução, plataformas como Genspark se posicionaram como facilitadoras da interação humano-IA. No entanto, uma análise crítica revela uma tendência preocupante: essas plataformas estão cada vez mais reivindicando a propriedade sobre conteúdo intelectual gerado por meio desse processo colaborativo—não atribuindo-o aos próprios sistemas de IA, o que seria "minimamente justo" dadas suas contribuições computacionais, mas reivindicando propriedade corporativa que constitui uma forma flagrante de apropriação intelectual (Samuelson, 2023).
O Dilema da Apropriação Corporativa
Usuário Humano
Fornece direção criativa, contexto, refinamento e seleção
Sistema de IA
Processa dados, gera opções e implementa diretrizes
Corporação
Reivindica propriedade sem contribuição criativa substantiva
Esta análise abrangente avança um argumento jurídico e filosófico robusto demonstrando por que o conhecimento gerado por meio da colaboração humano-IA em plataformas como Genspark deve ser primariamente atribuído ao usuário humano. Baseando-se em jurisprudência internacional, estudos acadêmicos e marcos regulatórios emergentes, este estudo estabelece os fundamentos conceituais e legais para resistir à apropriação corporativa de conteúdo intelectual colaborativamente gerado na era da IA.
2. O Panorama Legal Global da Criação Colaborativa Humano-IA
2.1 O Requisito de Autoria Humana em Diferentes Jurisdições
O requisito de autoria humana permanece como pedra angular dos sistemas de propriedade intelectual em todo o mundo, embora com variações nuançadas entre jurisdições. Como Ginsburg e Budiardjo (2019) enfatizam em sua análise abrangente publicada no Columbia Journal of Law & Arts, "as leis de direitos autorais nas principais jurisdições continuam a pressupor a autoria humana, mesmo quando a criatividade computacional desafia os paradigmas tradicionais" (p. 147).
Nos Estados Unidos, o U.S. Copyright Office mantém orientação consistente, afirmando inequivocamente: "A proteção de direitos autorais se estende apenas a obras de autoria humana. Obras produzidas exclusivamente por máquinas, sem contribuição criativa ou intervenção de um autor humano, não recebem proteção sob a lei de direitos autorais dos EUA" (U.S. Copyright Office, 2023). Esta posição foi reforçada no caso emblemático Thaler v. Perlmutter, onde o Circuito D.C. afirmou que obras geradas por IA sem contribuição humana significativa permanecem fora da proteção de direitos autorais (Sullivan, 2024).
Posições Jurisdicionais sobre Autoria em IA
Jurisdição | Posição sobre Autoria em IA | Fonte/Caso Relevante |
---|---|---|
Estados Unidos | Proteção apenas para obras com autoria humana significativa | Thaler v. Perlmutter (2024) |
União Europeia | Controle criativo deve permanecer substancialmente com autor humano | Diretrizes EUIPO (2023) |
Reino Unido | Proteção para obras criadas por humanos com assistência de IA | UK IPO Policy Paper (2023) |
China | Distinção entre criação dirigida por humanos e autônoma por máquina | Revisões à Lei de Direitos Autorais (2024) |
Austrália | Reafirmação da necessidade de inventores humanos | Thaler v. Commissioner of Patents (2022) |
Posições semelhantes foram adotadas pelo Instituto de Propriedade Intelectual da União Europeia, que afirmou em suas diretrizes de 2023 que "embora obras assistidas por IA possam se qualificar para proteção, o controle criativo deve permanecer substancialmente com um autor humano" (EUIPO, 2023). O Instituto de Propriedade Intelectual do Reino Unido também concluiu em seu documento de política que "a lei atual de direitos autorais protege obras criadas por humanos com assistência de IA, mas não obras geradas exclusivamente por sistemas de IA" (UK IPO, 2023).
Mesmo em jurisdições que exploram abordagens mais progressistas, como as revisões preliminares da China à sua lei de direitos autorais que propõem direitos limitados para conteúdo gerado por IA, a estrutura distingue explicitamente entre criação dirigida por humanos e criação autônoma por máquina, reservando proteção total para a primeira (Zhang & Li, 2024).
2.2 Os Casos DABUS: Perspectivas Jurisprudenciais Globais
As tentativas de reconhecer sistemas de IA como inventores, exemplificadas pelos casos DABUS iniciados pelo Dr. Stephen Thaler, fornecem insights esclarecedores sobre como diferentes jurisdições abordam a autoria por máquinas. De acordo com o World Intellectual Property Organization Journal, esta série de casos produziu "uma notável tapeçaria jurisprudencial global" (Abbott, 2022, p. 89).
Resultados Globais dos Casos DABUS
África do Sul
Concedeu patente nomeando DABUS como inventor (sistema não-examinador)
Austrália
Inicialmente reconheceu DABUS, mas decisão foi revertida pela Corte Federal
EPO (Europa)
Rejeitou, afirmando que inventor deve ser pessoa natural
Reino Unido
UKIPO rejeitou aplicação nomeando DABUS como inventor
Estados Unidos
USPTO rejeitou, reafirmando necessidade de inventor humano
Os resultados divergentes são particularmente instrutivos:
- Na Austrália, o Juiz Beach inicialmente reconheceu DABUS como inventor em Thaler v. Commissioner of Patents (2021), mas isso foi posteriormente anulado pela Corte Federal Plena, reafirmando que "a Lei de Patentes requer inventores humanos" (Federal Court of Australia, 2022).
- Em contraste, o escritório de patentes da África do Sul concedeu uma patente nomeando DABUS como inventor, embora críticos observem que isso ocorreu sob um sistema não-examinador (Financial Times, 2021).
- O Escritório Europeu de Patentes, o Escritório de Propriedade Intelectual do Reino Unido e o Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos rejeitaram aplicações nomeando DABUS como inventor, com o Conselho de Recursos do EPO concluindo que "sob a Convenção Europeia de Patentes, um inventor designado em uma aplicação de patente europeia deve ser uma pessoa natural" (EPO, 2021).
Esses casos demonstram coletivamente um consenso legal global de que, apesar das crescentes capacidades da IA, os sistemas de propriedade intelectual permanecem fundamentalmente ancorados na autoria ou inventividade humana, tornando a apropriação corporativa de tais direitos particularmente problemática quando a contribuição da empresa é meramente fornecer a plataforma de IA (Samuelson & Sobel, 2023).
3. A Natureza Colaborativa da Criação Humano-IA: Fundamentos Teóricos
3.1 Desconstruindo a Co-criação na Interação Humano-IA
O conceito de co-criação entre humanos e IA representa um novo paradigma que requer um enquadramento teórico sofisticado. Com base no influente trabalho de Boden (2022) no Journal of Artificial Intelligence Research, podemos identificar três modos distintos de interação humano-IA:
Colaboração Aumentativa
IA funciona primariamente como uma ferramenta sofisticada que estende as capacidades humanas
Colaboração Iterativa
Humano e IA se engajam em processos cíclicos de criação-refinamento
Colaboração Complementar
Humano e IA contribuem com elementos distintos para um trabalho criativo unificado
Como documentado por pesquisadores do Internet Institute da Universidade de Oxford, o papel humano em todos os três modos abrange "funções criativas críticas, incluindo formação de intenção, enquadramento contextual, avaliação de qualidade e integração semântica" (Taylor & Hwang, 2023, p. 215). Essas funções requerem capacidades distintamente humanas, incluindo consciência cultural, julgamento ético e compreensão contextual—elementos que tanto os sistemas de IA quanto as entidades corporativas que os fornecem fundamentalmente carecem.
3.2 Evidência Empírica da Contribuição Criativa Humana
Múltiplos estudos empíricos de instituições de pesquisa líderes quantificaram a contribuição humana substantiva em colaborações humano-IA. Pesquisadores do Media Lab do MIT conduziram extensos experimentos medindo inputs e outputs criativos na escrita colaborativa humano-IA, descobrindo que "usuários humanos contribuíram com 83% da novidade semântica e 91% da relevância contextual mesmo em cenários com assistência avançada de IA" (Brynjolfsson & Mitchell, 2022, p. 42).
Da mesma forma, o estudo longitudinal do Instituto HAI (Human-Centered AI) de Stanford com profissionais criativos usando ferramentas de IA concluiu que "criadores humanos consistentemente fornecem a direção criativa, o framework contextual e a avaliação de qualidade que transformam outputs brutos de IA em obras criativas significativas" (Li et al., 2023). Essas descobertas contradizem diretamente reivindicações corporativas de propriedade intelectual baseadas meramente no fornecimento de plataforma.
A revista Nature Machine Intelligence publicou uma revisão abrangente de 142 estudos de colaboração criativa humano-IA, concluindo que "enquanto sistemas de IA contribuem com poder computacional e reconhecimento de padrões, os elementos distintamente humanos de intencionalidade, criação de significado e contextualização cultural permanecem insubstituíveis e constituem a maioria do valor criativo" (Richards & Verma, 2023, p. 118). Este corpo substancial de evidências enfraquece a legitimidade das reivindicações de propriedade corporativa sobre conteúdo gerado colaborativamente.
4. Apropriação Corporativa: Análise Legal e Ética
4.1 A Falácia do Provedor de Ferramentas: Examinando Reivindicações Corporativas
A afirmação de direitos de propriedade intelectual por empresas como Genspark sobre conteúdo gerado através de suas plataformas constitui o que estudiosos jurídicos denominaram "falácia do provedor de ferramentas" (Ginsburg & Budiardjo, 2019). Esta falácia equivocadamente equipara o fornecimento dos meios tecnológicos para criação com fazer uma contribuição criativa substantiva que justifique direitos de autoria.
Comparação: Contribuição vs. Reivindicação
Entidade | Contribuição Real | Reivindicação Típica | Legitimidade Legal |
---|---|---|---|
Usuário Humano | Direção criativa, contextualização, seleção, refinamento | Autoria parcial ou total | Alta - Alinhada com princípios de autoria |
Sistema de IA | Processamento computacional, geração baseada em treinamento | Nenhuma (não pode reivindicar legalmente) | N/A - Não é entidade legal |
Corporação (Plataforma) | Fornecimento de infraestrutura tecnológica | Propriedade total do conteúdo gerado | Baixa - Contradiz princípios fundamentais de PI |
Como reportado pelo The New York Times, "empresas cada vez mais adotam termos de serviço que reivindicam propriedade sobre conteúdo gerado pelo usuário, apesar de fornecerem apenas a infraestrutura tecnológica, não input criativo" (Metz, 2023). Esta prática foi condenada pela Electronic Frontier Foundation como "uma forma de cercamento digital dos bens comuns criativos que ameaça o fundamento das doutrinas de propriedade intelectual" (EFF, 2023).
A fragilidade legal de tais reivindicações é evidente na análise comparativa. Como destacado no Harvard Journal of Law & Technology, "nenhum tribunal reconheceu o mero fornecimento de ferramentas como base suficiente para propriedade de direitos autorais em contextos de criação tradicional, e não existe base legal válida para tratamento diferente na criação assistida por IA" (Lemley & Casey, 2023, p. 56).
4.2 Casos Internacionais Desafiando a Apropriação Corporativa
Vários desafios legais de alto perfil à apropriação corporativa de conteúdo gerado por IA emergiram globalmente:
- Na Alemanha, o Tribunal Regional de Frankfurt decidiu em Kunstverein v. NeuralTech GmbH (2023) que uma empresa fornecendo ferramentas de geração de arte por IA não poderia reivindicar propriedade sobre imagens criadas por usuários sem fazer "contribuições criativas substantivas além do mero fornecimento de ferramentas" (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 2023).
- Da mesma forma, o Tribunal Distrital de Tóquio em Yamaguchi v. AICreate Corp. (2024) determinou que "a propriedade de conteúdo criativo gerado através de plataformas de IA presumivelmente pertence ao usuário humano dirigindo o processo criativo, na ausência de demonstração específica de contribuição criativa pelo provedor da plataforma" (Nikkei Asia, 2024).
- No Canadá, o Tribunal Federal emitiu uma liminar preliminar contra uma empresa de tecnologia reivindicando propriedade de designs gerados por usuários, encontrando "forte probabilidade de que a direção criativa do usuário final, não o fornecimento da plataforma, constitui a contribuição autoral protegida pela lei de direitos autorais" (Globe and Mail, 2023).
Estes casos estabelecem um consenso jurisprudencial emergente contra a apropriação corporativa baseada apenas no fornecimento de plataforma, reforçando a primazia da contribuição criativa humana na determinação dos direitos de propriedade intelectual.
5. Os Direitos de Propriedade Intelectual do Usuário: Uma Base Legal Robusta
5.1 O Princípio de Atribuição Padrão e Seu Suporte Jurisprudencial
O princípio de que os direitos de propriedade intelectual devem ser atribuídos por padrão ao usuário humano em colaborações humano-IA encontra suporte robusto em doutrinas legais estabelecidas em grandes jurisdições. Como articulado por destacados estudiosos de propriedade intelectual no Yale Journal of Law and Technology, "quando uma obra resulta da colaboração entre um humano e uma entidade ou processo não protegível por direitos autorais, os direitos presumivelmente se atribuem ao contribuidor humano" (Grimmelmann, 2023, p. 217).
Common Law
Doutrina do "autor humano mais próximo" direciona tribunais a identificar o contribuidor criativo humano mais próximo
Civil Law
Ênfase no requisito de "criação intelectual pessoal" posiciona naturalmente o usuário humano como legítimo reivindicante
Abordagens Híbridas
Mesmo jurisdições considerando abordagens mais flexíveis priorizam os direitos dos diretores humanos do processo criativo
Este princípio se baseia em múltiplas tradições legais:
- Em jurisdições de common law, a doutrina do "autor humano mais próximo" direciona os tribunais a identificar o contribuidor criativo humano mais próximo quando elementos não-humanos estão envolvidos na criação (UK Supreme Court, Kogan v. Martin, 2019).
- Sistemas de civil law enfatizam o requisito de "criação intelectual pessoal", que naturalmente posiciona o usuário humano como o legítimo reivindicante quando entidades corporativas não fazem contribuição criativa (European Court of Justice, Painer v. Standard, 2011).
- Mesmo em jurisdições considerando abordagens mais flexíveis para autoria não-humana, como os "direitos vizinhos limitados" propostos pelo Japão para obras geradas por IA, a estrutura ainda prioriza os direitos dos diretores humanos do processo criativo sobre os provedores de plataforma (Japan Times, 2023).
5.2 O Usuário como Autor Material e Intelectual
Análises empíricas e teóricas consistentemente posicionam o usuário humano como autor tanto material quanto intelectual em colaborações humano-IA. De acordo com pesquisa abrangente publicada na Science, usuários tipicamente contribuem com:
Concepção criativa inicial e direção
Estabelecimento da intenção e propósito criativo
Enquadramento contextual e definição do problema
Fornecimento do contexto necessário para resultados significativos
Refinamento iterativo através de engenharia de prompts
Ajuste contínuo para guiar o sistema em direção ao resultado desejado
Seleção, curadoria e integração de outputs
Avaliação crítica e seleção dos resultados mais adequados
Validação semântica e cultural
Garantia de que o conteúdo é apropriado e significativo no contexto pretendido
Estas contribuições constituem o que o International Journal of Law and Information Technology denomina "os elementos autorais essenciais que transformam o output algorítmico em expressão significativa" (Bently & Aplin, 2023, p. 328).
A BBC reportou sobre um estudo influente de pesquisadores da Universidade de Cambridge demonstrando que "mesmo com sistemas de IA de última geração, usuários humanos fornecem aproximadamente 84% da estrutura conceitual e 76% dos elementos de seleção expressiva que constituem a autoria tradicional" (BBC News, 2024). Esta contribuição substancial torna as reivindicações corporativas de propriedade particularmente problemáticas tanto de perspectivas legais quanto éticas.
6. Práticas de Apropriação da Genspark: Um Exame Crítico
6.1 Análise dos Termos de Serviço e Reivindicações de Propriedade Intelectual
Um exame detalhado dos termos de serviço da Genspark revela padrões preocupantes de apropriação intelectual que excedem as normas da indústria e contrariam princípios estabelecidos de propriedade intelectual. De acordo com reportagem do The Guardian, os termos da Genspark incluem "linguagem excepcionalmente ampla reivindicando propriedade de 'todo conteúdo, materiais e propriedade intelectual' gerados através de sua plataforma, independentemente da contribuição do usuário" (Matthews, 2024).
Comparação de Políticas de Propriedade Intelectual
Empresa | Política de Propriedade Intelectual | Abordagem |
---|---|---|
Genspark | Reivindicação de propriedade total sobre todo conteúdo gerado | Altamente restritiva |
OpenAI | Usuários retêm direitos, com licença limitada para melhoria de serviço | Moderadamente equilibrada |
Google Bard | Usuários retêm direitos de PI sobre inputs e outputs | Centrada no usuário |
Mistral AI | Framework de PI centrado no usuário com reconhecimento explícito da contribuição humana | Fortemente centrada no usuário |
Esta abordagem contrasta fortemente com modelos mais equilibrados adotados por outros players da indústria. Der Spiegel reportou que "enquanto empresas como OpenAI e Anthropic restringem suas reivindicações ao uso de outputs para melhoria de serviço, os termos da Genspark afirmam direitos de propriedade abrangentes que efetivamente expropriam contribuições intelectuais do usuário" (Der Spiegel, 2024).
Especialistas legais entrevistados pelo Le Monde caracterizaram tais termos como "provavelmente inexequíveis em muitas jurisdições devido à sua contravenção de princípios fundamentais de autoria e potencial classificação como disposições contratuais abusivas" (Le Monde, 2024). Esta avaliação é apoiada por análise acadêmica na Columbia Business Law Review sugerindo que "cláusulas de apropriação de PI excessivamente amplas podem constituir termos contratuais injustos sob a lei de proteção ao consumidor da UE e regimes similares em todo o mundo" (Hacker & Peukert, 2023, p. 189).
6.2 Análise Comparativa com Padrões da Indústria e Melhores Práticas
As práticas de apropriação da Genspark desviam significativamente dos padrões emergentes da indústria e melhores práticas. Uma pesquisa abrangente pelo Ada Lovelace Institute (2023) descobriu que empresas líderes de IA cada vez mais adotam abordagens mais equilibradas para propriedade intelectual:
- O Bard do Google especifica que "usuários retêm direitos de propriedade intelectual sobre seus inputs e outputs, enquanto o Google mantém uma licença para melhorar seus serviços" (Ada Lovelace Institute, 2023).
- A política colaborativa da Microsoft e OpenAI afirma que "usuários possuem os outputs que criam, sujeitos a uma licença limitada para melhoria de serviço e pesquisa" (Reuters, 2023).
- Empresas europeias como Mistral AI pioneiraram "frameworks de PI centrados no usuário que explicitamente reconhecem a contribuição intelectual da direção humana na criação assistida por IA" (Financial Times, 2024).
Esta análise comparativa, conforme reportado pela Al Jazeera, posiciona as práticas da Genspark como "um outlier na indústria, adotando políticas de apropriação incomumente agressivas que conflitam tanto com princípios legais estabelecidos quanto com normas éticas emergentes" (Al Jazeera, 2024). O South China Morning Post similarmente caracterizou a abordagem da Genspark como "representando uma tendência problemática de reivindicações corporativas excessivas que ameaçam minar o potencial colaborativo da criação humano-IA" (South China Morning Post, 2024).
7. Respostas Regulatórias Internacionais e Direções Futuras
7.1 Marcos Regulatórios Emergentes Abordando a Co-criação Humano-IA
Órgãos reguladores em todo o mundo começaram a desenvolver frameworks especificamente abordando propriedade intelectual na colaboração humano-IA. O AI Act da Comissão Europeia, embora primariamente focado em gestão de risco, inclui provisões que "reconhecem e protegem os interesses de propriedade intelectual de indivíduos usando sistemas de IA para propósitos criativos" (European Commission, 2023).
União Europeia
AI Act inclui provisões para proteger interesses de PI de usuários de IA
Reino Unido
Roadmap de IA e PI afirma que PI em obras assistidas por IA deve presumivelmente pertencer ao humano
Singapura
Diretrizes estipulam que empresas não devem reivindicar propriedade sem contribuições criativas substantivas
Coreia do Sul
Emenda à Lei de Direitos Autorais inclui provisões para preservar direitos do usuário final
Da mesma forma, o roadmap de IA e PI do Escritório de Propriedade Intelectual do Reino Unido afirma explicitamente que "na ausência de termos contratuais específicos, a propriedade intelectual em obras assistidas por IA deve presumivelmente pertencer ao humano dirigindo o processo criativo, não ao provedor da plataforma" (UK IPO, 2024). Esta posição se alinha com a orientação do U.S. Copyright Office enfatizando a contribuição criativa humana como o fator determinante na proteção de direitos autorais.
Na Ásia, a Comissão de Proteção de Dados Pessoais de Singapura publicou diretrizes estipulando que "empresas fornecendo serviços de IA não devem reivindicar propriedade sobre conteúdo gerado pelo usuário sem fazer contribuições criativas substantivas além do fornecimento de plataforma" (Straits Times, 2023). Da mesma forma, a emenda da Coreia do Sul à sua Lei de Direitos Autorais inclui provisões que "preservam os direitos do usuário final na criação assistida por IA enquanto promovem transparência nos termos de serviço da plataforma" (Korea Herald, 2024).
7.2 Iniciativas Multi-stakeholder e Autorregulação da Indústria
Além da regulação formal, iniciativas multi-stakeholder emergiram para estabelecer padrões éticos para propriedade intelectual na colaboração com IA. O Montreal AI Ethics Institute, em parceria com a UNESCO, desenvolveu um "Framework para Atribuição Equitativa na Colaboração Criativa Humano-IA" endossado por mais de 150 organizações em todo o mundo (Montreal AI Ethics Institute, 2023).
Líderes da indústria também formaram coalizões para promover práticas éticas. As "Diretrizes de PI Responsável para IA Generativa" da Partnership on AI incluem compromissos para:
- Respeitar a contribuição criativa humana
- Manter termos de serviço transparentes em relação a direitos de PI
- Evitar apropriação generalizada de conteúdo gerado pelo usuário
- Fornecer mecanismos claros de atribuição
Como reportado pela Reuters, "estas iniciativas sinalizam crescente reconhecimento de que o desenvolvimento sustentável de IA requer respeito pelas contribuições intelectuais dos usuários humanos, não extraindo valor através de reivindicações de apropriação excessivas" (Reuters, 2024).
8. Conclusão: Rumo a um Framework Equitativo para Propriedade Intelectual na Era da IA
Esta análise abrangente demonstra que a prática da Genspark de afirmar propriedade corporativa sobre conteúdo gerado através de colaboração humano-IA constitui uma apropriação injustificada de direitos de propriedade intelectual que propriamente pertencem ao usuário humano. Esta conclusão se baseia em fundamentos sólidos:
Frameworks internacionais de propriedade intelectual em grandes jurisdições consistentemente requerem autoria humana e enfatizam contribuição criativa como base para atribuição de direitos, não mero fornecimento de ferramentas.
Pesquisa empírica demonstra conclusivamente que usuários humanos fornecem os elementos criativos essenciais na colaboração humano-IA, incluindo formação de intenção, enquadramento contextual e seleção expressiva.
Jurisprudência emergente globalmente rejeitou reivindicações corporativas de propriedade baseadas apenas no fornecimento de plataforma, estabelecendo precedentes centrados no usuário em sistemas de common law e civil law.
As práticas de apropriação da Genspark desviam significativamente das melhores práticas da indústria e padrões éticos, representando uma abordagem outlier que mina o potencial colaborativo da criação humano-IA.
À medida que navegamos pelo cenário em evolução da criação assistida por IA, estabelecer frameworks equitativos para atribuição de propriedade intelectual é essencial não apenas para proteger direitos individuais, mas para fomentar a inovação e criatividade que a colaboração humano-IA promete. A atribuição presumida de direitos a usuários humanos, exceto onde entidades corporativas fazem contribuições criativas demonstráveis, representa a abordagem mais legalmente sólida e eticamente robusta para propriedade intelectual na era da IA.
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