Fragmentação Institucional e Custos de Coordenação: Lições de 90 Anos de Planejamento Brasileiro
A trajetória do planejamento estatal brasileiro entre 1930 e 2010 constitui caso empírico da relação entre qualidade institucional e custos de coordenação. Análise dos ciclos de construção e desmonte da capacidade de planejamento nacional.
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Tempo de leitura: 18 minutos | Atualizado em: Dezembro 2025 | Categoria: Estratégia e Inovação
Resumo Executivo
A trajetória do planejamento estatal brasileiro entre 1930 e 2010 constitui caso empírico documentado da relação entre qualidade institucional e custos de coordenação. Este artigo analisa os ciclos de construção e desmonte da capacidade de planejamento nacional a partir do trabalho de Fernando Rezende (IPEA, 2010), extraindo implicações para estratégia empresarial em ambientes de alta incerteza institucional.
Questões centrais:
- Como a fragmentação institucional afeta custos de transação?
- Quais padrões caracterizam períodos de planejamento eficaz?
- O que empresas podem aprender com a experiência estatal brasileira?
Para gestores de consultoria, indústria e construção civil, apresentamos framework analítico para compreender ambiente institucional brasileiro e suas implicações estratégicas.
Palavras-chave: custos de transação, planejamento estratégico, economia institucional, Williamson, North, fragmentação institucional, coordenação.
Sumário
1. O Problema: Instituições e Custos de Coordenação
A Nova Economia Institucional, desenvolvida por Ronald Coase (1937), Oliver Williamson (1985) e Douglass North (1990), demonstra que transações econômicas envolvem custos além do preço dos bens transacionados. Custos de busca, negociação, monitoramento e execução variam conforme o ambiente institucional.
North (1990) define instituições como "regras do jogo" — restrições formais e informais que estruturam interações humanas. Quando essas regras são instáveis, ambíguas ou fragmentadas, agentes econômicos enfrentam custos adicionais para realizar transações.
"Instituições são as regras do jogo numa sociedade ou, mais formalmente, são as restrições humanamente concebidas que moldam a interação humana." (North, 1990, p. 3)
O caso brasileiro oferece evidência empírica dessa relação. Períodos de maior estabilidade institucional correlacionam-se com capacidade de execução de planos de longo prazo. Períodos de fragmentação correlacionam-se com paralisia decisória e horizontes curtos.
2. Ciclo de Construção: 1930-1979
2.1 Formação do Aparato (1930-1945)
O governo Vargas iniciou construção sistemática de capacidade de planejamento estatal. O contexto era de concentração de poder no Executivo pós-Revolução de 1930, o que permitiu reformas estruturais sem negociação fragmentada.
Tabela 1: Formação do Aparato de Planejamento (1930-1945)
| Ano | Instituição | Função |
|---|---|---|
| 1934 | Conselho Federal de Comércio Exterior | Primeiro órgão com funções de planejamento |
| 1938 | DASP | Profissionalização administrativa |
| 1941 | Companhia Siderúrgica Nacional | Industrialização dirigida |
| 1945 | SUMOC | Coordenação monetária |
Fonte: Elaboração própria a partir de Rezende (2010).
2.2 Consolidação (1950-1960)
O período 1950-1960 apresentou continuidade institucional apesar de alternâncias políticas. Estruturas técnicas (Comissões, BNDE-CEPAL) precediam e informavam decisões políticas. O elemento comum: diagnóstico antes de ação.
Governo Vargas (1951-1954): Criação do BNDE (1952), Plano Lafer, Petrobrás (1954). Utilização de trabalhos técnicos anteriores (Comissão Mista Brasil-EUA, BNDE-CEPAL).
Governo JK (1956-1961): Plano de Metas. Diferenciação importante: não nacionalista, internacionalista. Aceitação de capital externo como complemento ao planejamento estatal.
Plano de Metas (1956-1961)
O Plano de Metas de JK estabeleceu 31 metas distribuídas em cinco setores: energia, transportes, alimentação, indústrias de base e educação. A meta-síntese era a construção de Brasília. O Plano atingiu 70% das metas estabelecidas.
Fator de sucesso: Diagnóstico técnico prévio (Comissão Mista Brasil-EUA, estudos BNDE-CEPAL) informou prioridades. Concentração decisória permitiu execução.
2.3 Sistematização (1964-1979)
O regime militar consolidou o aparato de planejamento com formalização do sistema:
PAEG (1964-1967): Estabilização monetária, reforma tributária, modernização administrativa. Criação do FGTS como poupança compulsória.
Plano Decenal (1967-1976): Primeira experiência de visão estratégica de longo prazo com prioridades e mecanismos de implementação.
I e II PND (1972-1979): Ato Complementar nº 43/1969 estabeleceu ciclo de planos nacionais com duração de mandato, submetidos ao Congresso, com orçamentos plurianuais.
Hierarquia do Sistema de Planejamento (1972-1979)
3. Ciclo de Desmonte: 1980-2010
3.1 Choques Externos e Endividamento (1980-1985)
O segundo choque do petróleo (1979) e a elevação de juros internacionais esgotaram a capacidade de investimento. O III PND (1980-1985) cumpriu formalidade sem unidade executiva. Divergências entre Ministérios, crise política, enfraquecimento do Executivo.
3.2 Redemocratização e Fragmentação (1985-1990)
A Nova República trouxe dispersão de poder. Sucessivas trocas de Ministros. Planejamento saiu do centro da agenda. Enfoque em políticas econômicas de curto prazo (planos de estabilização). Enfraquecimento do IPEA.
A Constituição de 1988 redistribuiu poder sem criar mecanismos equivalentes de coordenação. O sistema perdeu capacidade operacional.
3.3 Desmonte Administrativo (1990-1992)
O governo Collor executou reformas que desarticularam estruturas sem substituí-las:
- Fusão de Ministérios (Fazenda + Planejamento + Indústria = Ministério da Economia)
- Extinção de autarquias e empresas públicas
- Rebaixamento salarial de servidores
- Extinção da SEST (controle de estatais)
Em menos de dois anos, estrutura construída ao longo de décadas foi desarticulada.
3.4 Estabilização sem Planejamento (1994-2010)
O Plano Real estabilizou a economia, mas o planejamento permaneceu subordinado a gestão fiscal de curto prazo. PPA tornou-se exercício burocrático, não instrumento estratégico. Estrutura de coalizão exigiu loteamento de cargos técnicos. Horizonte de 4 anos incompatível com investimentos de maturação longa. Revisões constantes eliminaram previsibilidade.
O "presidencialismo de coalizão" institucionalizou a fragmentação decisória.
4. Padrões Identificados
A análise histórica permite identificar fatores associados a períodos de maior e menor capacidade de execução.
4.1 Fatores de Eficácia
Tabela 2: Fatores Associados a Períodos de Planejamento Eficaz
| Fator | Descrição | Exemplo |
|---|---|---|
| Concentração decisória | Autoridade clara sobre recursos e prioridades | Executivo forte pré-1988 |
| Quadros técnicos | Corpo permanente com expertise | IPEA, BNDE |
| Diagnóstico prévio | Comissões técnicas antes de planos | BNDE-CEPAL |
| Continuidade institucional | Estruturas sobrevivem alternâncias | Sistema 1972-1979 |
| Financiamento dedicado | Recursos vinculados a objetivos | Fundos setoriais |
| Horizonte temporal | Ciclos compatíveis com maturação | Planos plurianuais |
4.2 Fatores de Ineficácia
Tabela 3: Fatores Associados a Períodos de Fragmentação
| Fator | Descrição | Exemplo |
|---|---|---|
| Fragmentação partidária | Múltiplos veto players | Pós-1988 |
| Loteamento político | Cargos técnicos como moeda | Coalizões |
| Reformas descontinuadas | Reestruturações sem consolidação | Governo Collor |
| Horizontes curtos | Pressão por resultados imediatos | Ciclos eleitorais |
| Subordinação a estabilização | Planejamento como variável de ajuste | Anos 1990-2000 |
5. Implicações para Teoria dos Custos de Transação
5.1 Custos de Coordenação em Ambientes Fragmentados
Williamson (1985) identifica três atributos das transações que determinam custos: especificidade de ativos, frequência e incerteza. A experiência brasileira ilustra o papel da incerteza institucional.
Quando regras mudam frequentemente, agentes:
- Reduzem horizontes de planejamento
- Evitam investimentos específicos (difíceis de reverter)
- Aumentam reservas para contingências
- Dedicam recursos a monitoramento do ambiente regulatório
Esses comportamentos representam custos de transação que reduzem eficiência agregada.
5.2 O Ambiente das PMEs Brasileiras
Empresas de médio porte no Brasil enfrentam ambiente que replica os padrões de fragmentação observados no planejamento estatal:
Incerteza regulatória: Regras tributárias, trabalhistas e setoriais mudam com frequência. O custo de compliance inclui monitoramento contínuo de mudanças.
Fragmentação de canais: Consumidores distribuem atenção entre múltiplas plataformas. Não há canal dominante estável.
Pressão por curto prazo: Fluxo de caixa, obrigações fiscais e ciclos de vendas pressionam por resultados imediatos.
Dependência de coalizões: Relacionamentos com fornecedores, parceiros e canais exigem negociação contínua.
Nesse contexto, capacidade de reduzir incerteza para clientes e parceiros constitui vantagem competitiva.
6. Marketing como Infraestrutura de Coordenação
A partir do referencial de custos de transação, a função do marketing pode ser reconceituada. Não se trata de "promover produtos" ou "gerar leads", mas de construir infraestrutura que reduz custos de transação entre empresa e mercado.
6.1 Três Categorias de Custos
Williamson (1985) classifica custos de transação em três categorias:
Custos de Busca
Identificar parceiros de transação adequados
Custos de Negociação
Estabelecer termos aceitáveis
Custos de Execução
Garantir cumprimento do acordado
6.2 Como Marketing Reduz Cada Categoria
Tabela 4: Mecanismos de Redução de Custos de Transação via Marketing
| Categoria | Mecanismo de Redução | Aplicação Prática |
|---|---|---|
| Busca | Posicionamento em canais onde público-ideal já procura | SEO, presença em plataformas setoriais |
| Busca | Sinalização clara de proposta de valor | Branding, mensagem consistente |
| Negociação | Comunicação de termos e condições | Precificação transparente, cases |
| Negociação | Redução de assimetria informacional | Conteúdo educativo, demonstrações |
| Execução | Construção de reputação verificável | Avaliações, certificações, casos documentados |
| Execução | Consistência de entrega | Processos padronizados, garantias |
6.3 Público-Ideal vs. Público-Alvo
A distinção entre público-alvo (segmento demográfico) e público-ideal (aqueles com predisposição favorável) reflete diferença em custos de transação.
Transações com público-ideal apresentam:
Público-Ideal
- Menor custo de busca (já procuram solução similar)
- Menor custo de negociação (valores alinhados)
- Menor custo de execução (expectativas realistas)
Público Genérico
- Alto custo de busca (precisam ser educados)
- Alto custo de negociação (valores desalinhados)
- Alto custo de execução (expectativas irrealistas)
Marketing estratégico prioriza identificação e alcance do público-ideal sobre maximização de exposição a segmentos genéricos.
7. Lições Operacionais
A experiência brasileira sugere princípios aplicáveis a estratégia empresarial:
7.1 Diagnóstico Antes de Ação
Planos nacionais bem-sucedidos (Metas, I e II PND) foram precedidos por comissões técnicas que mapearam condições, recursos e restrições.
Aplicação: Análise de mercado, concorrência e público antes de definição de táticas. Evitar execução de campanhas sem compreensão do ambiente. Analytics e BI fornecem base diagnóstica.
7.2 Continuidade sobre Campanhas Pontuais
Períodos de eficácia apresentavam estruturas permanentes (IPEA, BNDE) que sobreviviam alternâncias políticas. Períodos de ineficácia apresentavam reestruturações frequentes.
Aplicação: Presença consistente reduz incerteza mais que ações intermitentes. Orçamento de marketing como ativo estratégico, não despesa variável sujeita a cortes.
7.3 Monitoramento Sistemático
O sistema 1972-1979 incluía mecanismos de acompanhamento e avaliação (IPEA/IPLAN) integrados ao ciclo de planejamento.
Aplicação: Métricas de acompanhamento que permitam identificar desvios e ajustar rotas. Ciclos de revisão definidos, não reativos. Google Analytics 4 e dashboards de KPIs.
7.4 Horizonte Compatível com Maturação
Investimentos em infraestrutura (Plano de Metas, II PND) exigiam horizontes de anos. Subordinação a ciclos eleitorais comprometeu execução.
Aplicação: Distinção entre marketing tático (resultados em semanas) e estratégico (ativos que maturam em 12-24 meses). Ambos necessários, em proporções adequadas.
7.5 Financiamento Dedicado
Fundos vinculados (FGTS, fundos setoriais) garantiam recursos para execução independente de contingências orçamentárias.
Aplicação: Orçamento de marketing definido como percentual de receita ou valor fixo, não como resíduo após outras despesas.
8. Conexão com Economia Evolucionária
A análise de planejamento brasileiro complementa o framework evolucionário apresentado em artigo anterior desta série.
Enquanto a economia evolucionária (Dopfer & Potts, 2008) explica como comportamentos emergem e se difundem através de processos de variação, seleção e retenção, a análise institucional explica as condições de contorno que facilitam ou dificultam esses processos.
Regras de ordem zero (Dopfer & Potts): O ambiente institucional brasileiro — fragmentação regulatória, incerteza política, horizontes curtos — constitui as regras constitucionais do sistema onde empresas operam.
Path dependence (Arthur, 1989; North, 1990): Uma vez estabelecidos padrões de fragmentação, criam condições que dificultam coordenação. Empresas que desenvolvem rotinas de marketing consistentes acumulam vantagem sobre concorrentes que operam de forma reativa.
Trajetória (surgimento → adoção → retenção): Em ambientes de alta incerteza, a fase de retenção é dificultada. Mensagens e posicionamentos precisam ser continuamente reforçados para não serem deslocados por ruído competitivo.
9. Considerações Finais
A trajetória brasileira de planejamento demonstra empiricamente que qualidade institucional afeta custos de coordenação. Períodos de maior capacidade de execução compartilham características: concentração decisória adequada, quadros técnicos permanentes, diagnóstico prévio, continuidade institucional, financiamento dedicado e horizontes compatíveis com maturação dos investimentos.
Para empresas operando em ambiente de alta incerteza institucional, a implicação é direta: capacidades internas de coordenação tornam-se mais valiosas quanto mais fragmentado o ambiente externo.
Marketing Estratégico como Infraestrutura
Marketing estratégico, reconceituado como infraestrutura de redução de custos de transação, oferece mecanismo para construir capacidade de coordenação. Não se trata de executar campanhas isoladas, mas de desenvolver ativos — posicionamento, reputação, presença consistente — que reduzem fricção entre empresa e público-ideal ao longo do tempo.
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Este artigo integra a série sobre fundamentos teóricos da abordagem de marketing baseado em evidências da Agência Integrare. Artigo relacionado: Economia Evolucionária e Marketing: Como as Regras Genéricas Moldam o Comportamento do Consumidor.
Referências
ARTHUR, W. B. Competing technologies, increasing returns, and lock-in by historical events. The Economic Journal, v. 99, n. 394, p. 116-131, 1989.
COASE, R. H. The nature of the firm. Economica, v. 4, n. 16, p. 386-405, 1937.
DOPFER, K.; POTTS, J. The General Theory of Economic Evolution. London: Routledge, 2008.
NORTH, D. C. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
REZENDE, F. Planejamento no Brasil: auge, declínio e caminhos para a reconstrução. Texto para Discussão IPEA, n. 1522, 2010.
WILLIAMSON, O. E. The Economic Institutions of Capitalism. New York: Free Press, 1985.
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